12.31.2008

A TERRA PROMETIDA (PARTE 1,5)

A destruição de um mito profundamente enraizado na sociedade é um processo lento. Não que justifique a minha exposição em partes decimais, mas a água, principalmente a fresca, bebe-se aos poucos. Morpheus mostra a Neo o que é a Matrix por fases, por sessões. Etapa a etapa, Neo transpõe as várias barreiras que permitiu que lhe fossem impostas pela sociedade, pela Matrix. "Lá vem o fanático do Matrix". Não falo de voarmos ou de desviarmo-nos da trajectória de balas. Falo de sairmos da Matrix, ficarmos livres das suas regras e limitações. Esse é o primeiro passo.

Se a Terra Prometida não é um lugar, nem um país, ou um terreno físico, então só pode ser espiritual, certo? Errado! A sua localização não se encontra nem na Bíblia nem no tão desejado Céu, ou Paraíso. Esse mundo melhor que este não vem depois da morte, por muito santos que tenhamos sido. Por isso não adianta esperar por ele, pela sua chegada, ou por um cristo que nos salve (cristo é sinónimo de messias). E aí está o mito. O mito da espera. O mito de que melhores dias virão, de que basta esperarmos, de que essa Terra Prometida, Céu, Paraíso, Éden, Nirvana, de que esse mundo virá ao nosso encontro. Nada veio ao nosso encontro. E da última vez que a humanidade ficou à espera mergulhou na escuridão da Idade Média, por dez séculos. Durante mil anos fechou-se o homem em si mesmo, e no Deus feito à sua semelhança (a Bíblia afirma que é ao contrário, mas até os grandes clássicos da literatura têm gralhas).

Agora, na era da alta tecnologia, vivemos a ilusão de que somos avançados, civilizados. De facto a ilusão é mais profunda. A nossa mais "alta tecnologia", a nossa "cutting edge technology" é a que menos usamos. Na realidade as nossas mais antigas tecnologias são as que predominam. São elas a sociedade e a religião. Tecnologias obsoletas, mortas, mantidas à força e à nossa custa, à custa da humanidade. O próprio uso atribuído às tecnologias de ponta está distorcido por estas. Em geral a tecnologia é usada para a criação de problemas, quando a sua função única é exactamente a inversa. Toda a Revolução Industrial resulta da busca pela solução fácil, sem nunca ter considerado as consequências. O adiamento do problema não o extingue, e varrer a sujidade para debaixo do tapete não torna a casa limpa.

Sim, mas o que tem isto tudo a ver com a Terra Prometida? Einstein abriu o caminho para a bomba atómica, mas também inventou um sistema de refrigeração para frigoríficos de menor consumo e  menor impacto ambiental. Qual das duas tecnologias poderia trazer maior benefício à humanidade? Escolheu-se a bomba atómica. O cientista alemão quando inventou o foguetão tinha as viagens espaciais em mente. E assim surgiu o míssil, um foguetão cuja função não era sair da atmosfera da Terra para o Espaço, mas matar civis em Londres. Em De Alchymia, Alberto o Grande escreve:

"Se tens a pouca sorte de te aproximares dos príncipes e dos reis, eles não cessarão de te perguntar "Então, Mestre, como vai a Obra? Quando é que finalmente veremos qualquer coisa de positivo?" E, na sua impaciência, chamar-te-ão aldrabão e velhaco e causar-te-ão toda a espécie de aborrecimentos. E, se não obtiveres êxito, sofrerás todo o efeito de sua cólera. Se, pelo contrário, o obtiveres, conservar-te-ão em suas casas em cativeiro perpétuo, com o propósito de te fazerem trabalhar em seu benefício."

A guerra tem sido o motor da invenção. A tecnologia está refém da sociedade. Está na altura de a resgatar, deste sistema que nos corrompe o espírito e o propósito de vida. Se queremos o Céu na Terra temos literalmente de nos esticarmos para o alcançar, irmos ao seu encontro, não ficarmos à sua espera. Acabe-se com o mito, não seremos melhores se não procurarmos ser melhores. E acabem com as barreiras mentais, de uma vez por todas, ainda que aos poucos! "ah, isso é tudo muito giro, mas é utópico."

O Futuro é sempre Utópico, até se tornar no Presente, e ficar esquecido no passado.