1.22.2009

Das Hipóteses de Bill -O dilema da mala de dinheiro e Eduardo Mãos de Tesoura

O que é estar certo ou errado? O que é que é o politicamente correcto ou incorrecto? Todas essas considerações surgem da sociedade ou de dentro de nós? Será o homem impelido a ser mau ou bom por natureza? Ou será que essa análise da natureza do homem só pode ser efectuada após a entrada do homem na sociedade?
Esta é uma discussão que já vem de outros séculos, e correndo o risco de repetir as mesmas ideias de outros, decidir expôr aqui um pequeno pensamento pessoal.
Pois bem, assim rudimentarmente existem duas considerações extremas; um pensamento hobbesiano que dita que o Estado da Natureza do Homem é do conflito, ou seja, antropologicamente reparamos que o ser humano é levado, pela sua natureza, a fazer o mal; um pensamento roussoueano ( se é que tal palavra existe) que nos leva à deliberação que o ser humano é bom ou mau por acção da sociedade onde está incluído e que por natureza é um bom selvagem.

Pois bem, dando aqui uma breve introdução destes dois pontos de vista, de uma forma muito simplista e curta, sigo agora para o que queria mostrar, que é uma cena do filme de Tim Burton - Eduardo Mãos-de-Tesoura. Para quem conhece o filme não vai ter problemas em reconhecer a cena, que começa após Eduardo ter "sido levado" para cometer um roubo numa casa, sendo apanhado posteriormente pela polícia e, assim, a família adoptiva de Eduardo tenta explicar-lhe ética:

" BILL
Okay, a little ethics. You are walking down the street. You find a suitcase full of money. There's nobody around. No human person is in evidence. What do you do? A You keep the money. B You use it to buy gifts for your friends and your loved ones. C You give it to the poor. D You turn it into the police.
Nesta altura, o pai (Bill) coloca um dilema a Eduardo, de modo a fazê-lo perceber o que é o "correcto", traduzindo o que Bill diz, ficamos com algo como o seguinte:
a) Errado
b)Errado
c)Errado
d) Correcto
Para Bill a primeira opção seria b), se fossemos colocar as opções por ordem de escolha, poderíamos ficar com algo como isto: d) c) b) a); é desta forma que vejo a moral de Bill;

KIM
That is really stupid.
PEG
Kim!
KEVIN
I keep the money. É desta forma que Kevin vê as escolha que o pai exprimiu:
a)Errado
b)Errado
c)Errado
d) Correcto
A razão porque ele afirmou que escolheria o dinheiro é só porque é um jovem ainda, e a afirmação tem piada porque é contra o que ele já sabe que é "correcto" (como iremos ver mais à frente), e no que eu acho que é a moral de Kevin, a sua ordem de escolha seria algo assim: d) a) b) c)
(...)
EDWARD
Give it to my loved ones? Agora vou demonstrar o que penso ter sido o fio de pensamento de Edward, esta é a sua tradução das hipóteses de Bill:
a) Não percebe a razão
b) Amizade
c) Não percebe a razão
d) Não percebe a razão
A verdade é que neste ponto Eduardo Mãos de Tesoura é um ser amoral, não é bom nem mau, pois não compreende essa ideia, assim como não entende muito bem a ideia de propriedade, de dinheiro, de hierarquia, mas existe algo que entende, que são os sentimentos que nutre pelo seu semelhante, sejam eles de amizade ou de inimizade ( no seu estado mais puro), logo deduzo que a sua ordem de escolha seria: b) a)/c)/d) ( coloco as outras três hipóteses na mesma posição na ordem pelo simples facto que Eduardo só poderia ordenar as hipóteses que desconhece o seu valor com a influência de uma outra pessoa tocada pela sociedade e o seu sistema de valores e morais,além do que lhes é "natural" se a influência viesse de um ser "avarento" o provável era escolher em segundo lugar a opção a), se fosse um ser "gentil", poderia escolher a opção c) e, porém, se fosse um ser dotado do conhecimento das "regras", escolheria a d);
PEG
Oh, Edward, it does seem that that's what you should do, but it's not. A Peg demonstra nesta frase a linha ténue que separa o que é "bom" da vida "natural" e o bom da vida "artificial" ( sendo "natural" o dito Estado de Natureza, e o "artificial" o Ser Humano em Sociedade)
KEVIN
You dope, everybody knows he's supposed to give it to the police. Kevin reafirma aqui o que expliquei atrás, de facto ele sabe o que está correcto pela visão da sua sociedade;
BILL
Good thinking, Kevin. Bill elogia o bom "pensar" de Kevin, mas , de facto, Kevin não pensou, limitou a repetir algo que lhe foi incutido desde pequeno, ele não "pensou" para dar essa resposta, existe aqui uma falta de livre-arbítrio no sentido que Kevin já não consegue chegar ao seu único ponto de vista (natural) sobre o que está certo ou errado mas apenas seguir as condutas que lhe foram colocadas na cabeça(artificial);
KIM
Well, think about it, you guys, I mean, that's the nicer thing to do. That's what I would do. Kim nutre sentimentos por Eduardo, logo esta afirmação já está parcialmente influenciada por esses mesmos sentimentos, porém ela diz que de facto, a escolha de Eduardo, é a melhor escolha a fazer porque é a mais "gentil", porém mais do que dizer isso por pensar isso, ela afirma-o por nutrir sentimentos por Eduardo(natural), pois a sua mente também já está igualmente "tocada" pela sociedade, ( Kim coloca o "natural" por cima do "artificial"reparem que ela não faz nenhuma alusão à opção dos pobres(artificial) pois essa opção é lhe trivial ( se ela estivesse mesmo a defender o "gentil" como valor acima do "correcto" poderia reaforçar a sua posição com o exemplo da ajuda aos pobres), este é o valor que ela tira de cada uma das hipóteses de Bill:
a) Errado
b) Eduardo
c)Errado
d)Correcto
E nessa lógica, penso que a sua ordem de escolha moral seria: b) d) c) a)
BILL
We're trying to make things easier for him, so let's cut the comedy for a little while. É visível o tom de ordem nas palavras de Bill, quando o assunto é a justiça e os valores morais do bem e do mal, a ideia de um conceito tão humano como a "gentileza" é vista como comédia e fora do espectro de escolha e de sentido, para Bill, Kim sabe muito bem o que é correcto e que o correcto não tem nada a ver com "gentileza" ou outros sentimentos humanos ( Bill coloca o "artificial" por cima do "natural), além que de modo a tornar tudo mais fácil para Eduardo, Bill compreende que é mais fácil dar-lhe o pacote básico da moral da sociedade que demonstrar o alcance da escolha ( pois pode não ser compatível com a sociedade);
KIM
I am being serious. It's a nicer thing to do.
BILL
We're not talking nice. We're talking right and wrong."

Pois bem, já me alonguei demais e acabei por não poder falar de outras coisas que queria dizer, se calhar deixo para outro post e fica este apenas como exposição deste dilema.
Bill conclui com " We're not talking nice. We're talking right and wrong." o certo e o errado são então construções da sociedade em que o sujeito está inserido, mas a gentileza, a avareza, a cretinice e a inocência são sentimentos do âmago do sujeito, que mudam de definição quando em conflito com a sociedade.
O filme de Tim Burton pode levar a uma análise enorme e isso é algo que não posso fazer neste blog, tendo em conta a extensão que tal análise teria, mas concentrando-me nesta cena do filme vou levar a cabo uma pequena reflexão. Peço-vos paciência.
O ser humano tem dois "espíritos" ( não no sentido religioso, mas como conceito para me ajudar a explicar a minha ideia), um "natural" outro "artificial", o "artificial" não existe ab initio e é o espírito que pode ser modelado pela sociedade onde o sujeito decide viver, ou modelado por valores multi-societais, no sentido de ser uma criação do proprio sujeito do seu sistema de valores ( o que pode levá-lo a ir contra toda e qualquer sociedade existente na Terra); o espírito "natural" é um espírito que existe ab initio no sujeito, com ele vêm sentimentos como a paixão, o ódio, compaixão, raiva, amizade, inimizade, ingenuidade, avareza. ( Podem questionar-me em relação à avareza, pois diriam-me que o sujeito sem conhecer o dinheiro não poderia justificar tal sentimento...errado, de facto eu posso decidir ter mais maçãs do que posso comer, não no valor da glutonice, mas apenas porque as quero possuir), tais sentimentos não são colocados no sujeito pela sociedade, pois são "naturais", o que é colocado no sujeito "artificialmente" são ideias como a justiça, dinheiro, riqueza,propriedade,etc...
Definindo estes dois espíritos no sujeito, entendo que estejam então os dois em constante conflito e que os sujeitos que chegam a um consenso estre os dois espíritos, serão os sujeitos equilibrados ( não afirmo se são esses mais superiores como humanos ou mais inferiores, simplesmente encontram-se em equilíbrio com os seus espíritos).
Estes dois espíritos existem ( em constante conflito ( por exemplo Kim em vez de dizer o que acha correcto, num sentido "artificial", sobrepõe o sentimento de amor, que lhe é "natural", o amor entra em conflito com o seu sentido de justo) e consenso) como ferramentas para o livre-arbítrio de cada sujeito, e era exactamente aí que queria chegar.
O livre-arbítrio e a moralidade dos seres humanos não provém, de todo, mas só parcialmente, ab initio, na verdade é necessário tanto o que é "natural" ao homem e o que lhe é "artificial" para chegar ao seu livre arbítrio equilibrado. É necessário uma base "natural" e uma construção "artificial".
Esta é a conclusão a que cheguei, mas deixo a pergunta " Até que ponto podemos deixar que os valores construídos na sociedade em que nascemos interfiram e suplantem os sentimentos naturais ao homem e que deviam conduzir a sua vida?"; Deveremos escolher reger a nossa vida pelo o que nos é "natural" ou pelo o que nos é "artificial?"; Todas estas perguntas são impossíveis de responder universalmente, pois elas predispõem um juízo de valor, que vai ser influenciado por vocês, no sentido "artificial" de pessoas fortemente ligadas à sociedade, ou no sentido "natural" como pessoas fortemente desligadas da sociedade. E essa decisão de valor deve ser vossa de livre-vontade,de vossa escolha e juízo, como expressão de humanidade e de sociedade.