5.23.2009

VOTO EM BRANCO

Não vou dizer que a democracia está obsoleta. Não vou dizer que a democracia, tal como a conhecemos, não o é. Enfim, não vou falar daquilo que vocês já sabem (espero eu que o saibam). Vou falar daquilo que quase ninguém sabe, nem quer saber.

As eleições legislativas aproximam-se, e as opções resumem-se a duas:

- continuar sem opções;
- criar opções.

Não é entre PS e PSD. Não me interessa votar na mão esquerda, ou na mão direita, ambas pertencem ao mesmo corpo corrupto. Não, é entre ter um governo ou ter um circo. É entre votar nas mesmas caras de sempre ou em novas caras. É entre votar no status quo e naqueles que o querem manter, ou votar em outros quaisquer.

E como os outros quaisquer não existem, nós precisamos de os criar, de exigir, de demonstrar a demanda por outra coisa qualquer. Como?

Voto em branco. Não é riscar o boletim, nem fazer desenhos, nem rasgá-lo, não. É votar em branco, colocar o boletim, imaculado, tal como nos foi entregue, dentro da urna. Se a maioria votar em branco, as eleições têm de ser repetidas, mas com novos candidatos. Giro, não é? O país votaria em branco até que candidatos sérios, com programas eleitorais sérios e realistas, se apresentassem.

Poderiam ser preciso mais que três eleições, mas ficaria bm claro que não aturaríamos mais palhaçada.

Ou isto ou explodir com o Parlamento no dia 5 de Novembro.

PORTUGAL... É NOSSO PARA O BEM E PARA O MAL

Bem diz o Sérgio Godinho que Portugal é nosso para o bem e para o mal. Uma frase tipicamente portuguesa, ensopada de conformismo e encolher de ombros. "... que se há-de fazer...?".

Nesta entrevista de Mário Crespo, Medina Carreira não nos diz o que fazer, nem precisa. É uma descoberta automática, depois de sabermos o que se passa.







Se não há evolução, venha a "re-volução". Se o bife está a queimar há que o virar.

4.29.2009

ZEITGEIST 2: ADDENDUM - EXCERTOS COM JACQUES FRESCO

Um apanhado da participação de Jacques Fresco e da influência do seu The Venus Project no documentário Zeitgeist 2: Addendum.





O documentário completo e legendado está disponível para download por torrent ou visualização directa em www.zeitgeistmovie.com.

Um e-book gratuito de Jacques Fresco - Designing The Future

CRISE??? (O PORQUÊ)

Vamos lá então falar da morte do sistema monetário? Sim?

Não. Vamos ver.

O VALOR DAS COISAS

Um artesão tem uma moeda de um centavo, um clip de metal e um berbequim. O artesão fura a moeda com o berbequim. Abre o clip e enfia-o pelo buraco da moeda. Volta a fechar o clip, ficando a moeda pendurada neste, pelo furo. Acabou de criar um brinco. Repete todo o procedimento, com outra moeda e outro clip. Tem agora dois brincos de um centavo. Quanto podem custar estes brincos?

Um estilista de renome internacional tem uma ideia semelhante, e cria um vestido cuja malha é feita de moedas, como que lantejoulas. Para conseguir este efeito, o estilista utiliza centenas de moedas de um centavo. A pergunta é a mesma. Quanto poderá ele cobrar pelo vestido?

Qual o valor das coisas? Dos materiais? Das ideias? Da mão de obra? Da originalidade? Um centavo vale quanto depois de transformado num acessório de moda?

Quanto custariam umas All Star, cujo o tecido teria estampado o padrão da Louis Vitton? O mesmo que todas as All Star? Mais? Muito mais? O produto é o mesmo. Porque vale um papel de parede com vários "L" e "V" uma exorbitância quando usado em malas de viagem?

Não estou a falar de consumismo. Estou a falar do valor das coisas.

Porque vale o nosso dinheiro a quantia que lhe atribuímos? O que é um Euro? São duzentos escudos? O que é um escudo? Que valor têm as coisas?

Aquele que lhes atribuímos? Mas o que é o valor? É dinheiro? O dinheiro é um valor atribuído. Como atribuir valor através de valor atribuído? Vale mais um litro de água potável ou um quilo de ouro maciço? O ouro dá para rentabilizar, fazer peças de joalharia, botões de punho, relógios, coisas às quais atribuímos mais valor (atribuído) do que a um litro de água, fonte inegável da vida. Claro que num deserto preferíamos a água ao ouro. E mesmo para os mais materialistas, depois de horas a caminhar ao sol do deserto, com o ouro na mão, seria a água que lhes apareceria em alucinações.

Mas longe de mim querer implicar que a água tem mais valor que o ouro. Afinal as coisas têm apenas o valor que lhes damos, lhes atribuímos, como indivíduos, e principalmente como sociedade.

Daqui, seria muito fácil para mim levar a discussão para a morte do sistema monetário. Mas por hoje já questionei o Dogma numa dose razoavelmente perigosa para os vossos sistemas imunitários, meus caros carneiros. O lobo mau despede-se. Pssst, não digam nada ao pastor ;)

3.20.2009

A JUSTÇA É UM AUTOCLISMO AVARIADO

Não pela primeira vez, tive uma epifania na casa de banho, a fazer aquilo que a sociedade se compromete a desempenhar, sem no entanto cumprir: expelir a porcaria, e mandá-la cano abaixo. Levanto-me, dou a descarga, e lavo as mãos. Depois constato que o filho da puta (não irá ter outro nome este ilustre cagalhão) ficou ali, a boiar, mesmo após uma tempestade de 5 litros na escala de Richter, esse alemão panasca que gosta de sacudir o Planeta. E aí percebi tudo!
A Justiça é um autoclismo avariado. Toda a gente sabe onde está a merda, toda a gente sabe como a limpar. E eu não sou diferente, uso papel higiénico, e de vez em quando toalhetes Dodot (indiscritível a sensação de frescura). Depois de um gajo usar os mecanismos padrão para se livrar da merda, eis que um se vira contra o outro. Dou a descarga e lá se vai o coitado do papel sacrificado, e o raio da merda fica ali, a olhar para mim, feito náufrago do Titanic, a acenar-me como quem diz, ainda "sobrevivi, estou vivo". Mas que raio de mundo é este em que a merda, mesmo depois de ostracizada e encurralada no vaso sanitário cheio de água, sobrevive às fúrias e tormentas do autoclismo? enquanto que o papel higiénico que nos é disponibilizado para nos livrar da merda, acaba por ficar também borrado, en-merdado (fica decidido aqui e hoje, é assim que se escreve esta palavra) e por fim sacrificado antes e em preferência aos culpados desta merda toda, esses filhos da puta, os cagalhões!!! Mas é sempre assim, não é? O grande "malfeitor" escapa. Já o papelinho, aquele que não tem outra hipótese se não chegar-se à merda, esse é logo julgado e condenado, pública e judicialmente. Nem neste nem em nenhum país deste planeta os cagalhões vão pelo cano abaixo. Podem ir presos, mas sobrevivem sempre, ilesos, a boiar depois de todo o reboliço mediático em torno da questão. A memória é curta, meus senhores, é o que vos vale. Se soubesse em que ano estou e como me chamo dizia-vos das boas.

Mas lavo as mãos desta questão, faço a minha parte, quem não cumpre é o cagalhão, e afinal saber nadar é um arte.

2.06.2009

Biomimicry - Introdução

Energia Solar não é um conceito novo, mas ironicamente é um conceito renovável. Como o são as restantes energias renováveis, na forma de conceitos. Todos os dias a tecnologia e a aplicação da mesma sofrem alterações, melhorias, renovando assim as ideias que produzem as nossas energias renováveis. Mas eu quero falar é da Biomímica, um conceito inovador e, de novo, renovador. As melhores soluções para tudo já existem. E estão na Natureza. Fruto de biliões de anos de adaptação e evolução, num processo ainda em movimento, a Natureza ensinou ao Homem, atento o suficiente para a observar, as soluções para as necessidades da nossa espécie. A Agricultura é uma tecnologia, possível apenas àquele que conhece o funcionamento da Natureza, o solo, a estação do ano, o clima. Vejamos neste vídeo que forma ganha esta nova maneira de captar energia solar. Será que foi por acaso?

1.22.2009

Das Hipóteses de Bill -O dilema da mala de dinheiro e Eduardo Mãos de Tesoura

O que é estar certo ou errado? O que é que é o politicamente correcto ou incorrecto? Todas essas considerações surgem da sociedade ou de dentro de nós? Será o homem impelido a ser mau ou bom por natureza? Ou será que essa análise da natureza do homem só pode ser efectuada após a entrada do homem na sociedade?
Esta é uma discussão que já vem de outros séculos, e correndo o risco de repetir as mesmas ideias de outros, decidir expôr aqui um pequeno pensamento pessoal.
Pois bem, assim rudimentarmente existem duas considerações extremas; um pensamento hobbesiano que dita que o Estado da Natureza do Homem é do conflito, ou seja, antropologicamente reparamos que o ser humano é levado, pela sua natureza, a fazer o mal; um pensamento roussoueano ( se é que tal palavra existe) que nos leva à deliberação que o ser humano é bom ou mau por acção da sociedade onde está incluído e que por natureza é um bom selvagem.

Pois bem, dando aqui uma breve introdução destes dois pontos de vista, de uma forma muito simplista e curta, sigo agora para o que queria mostrar, que é uma cena do filme de Tim Burton - Eduardo Mãos-de-Tesoura. Para quem conhece o filme não vai ter problemas em reconhecer a cena, que começa após Eduardo ter "sido levado" para cometer um roubo numa casa, sendo apanhado posteriormente pela polícia e, assim, a família adoptiva de Eduardo tenta explicar-lhe ética:

" BILL
Okay, a little ethics. You are walking down the street. You find a suitcase full of money. There's nobody around. No human person is in evidence. What do you do? A You keep the money. B You use it to buy gifts for your friends and your loved ones. C You give it to the poor. D You turn it into the police.
Nesta altura, o pai (Bill) coloca um dilema a Eduardo, de modo a fazê-lo perceber o que é o "correcto", traduzindo o que Bill diz, ficamos com algo como o seguinte:
a) Errado
b)Errado
c)Errado
d) Correcto
Para Bill a primeira opção seria b), se fossemos colocar as opções por ordem de escolha, poderíamos ficar com algo como isto: d) c) b) a); é desta forma que vejo a moral de Bill;

KIM
That is really stupid.
PEG
Kim!
KEVIN
I keep the money. É desta forma que Kevin vê as escolha que o pai exprimiu:
a)Errado
b)Errado
c)Errado
d) Correcto
A razão porque ele afirmou que escolheria o dinheiro é só porque é um jovem ainda, e a afirmação tem piada porque é contra o que ele já sabe que é "correcto" (como iremos ver mais à frente), e no que eu acho que é a moral de Kevin, a sua ordem de escolha seria algo assim: d) a) b) c)
(...)
EDWARD
Give it to my loved ones? Agora vou demonstrar o que penso ter sido o fio de pensamento de Edward, esta é a sua tradução das hipóteses de Bill:
a) Não percebe a razão
b) Amizade
c) Não percebe a razão
d) Não percebe a razão
A verdade é que neste ponto Eduardo Mãos de Tesoura é um ser amoral, não é bom nem mau, pois não compreende essa ideia, assim como não entende muito bem a ideia de propriedade, de dinheiro, de hierarquia, mas existe algo que entende, que são os sentimentos que nutre pelo seu semelhante, sejam eles de amizade ou de inimizade ( no seu estado mais puro), logo deduzo que a sua ordem de escolha seria: b) a)/c)/d) ( coloco as outras três hipóteses na mesma posição na ordem pelo simples facto que Eduardo só poderia ordenar as hipóteses que desconhece o seu valor com a influência de uma outra pessoa tocada pela sociedade e o seu sistema de valores e morais,além do que lhes é "natural" se a influência viesse de um ser "avarento" o provável era escolher em segundo lugar a opção a), se fosse um ser "gentil", poderia escolher a opção c) e, porém, se fosse um ser dotado do conhecimento das "regras", escolheria a d);
PEG
Oh, Edward, it does seem that that's what you should do, but it's not. A Peg demonstra nesta frase a linha ténue que separa o que é "bom" da vida "natural" e o bom da vida "artificial" ( sendo "natural" o dito Estado de Natureza, e o "artificial" o Ser Humano em Sociedade)
KEVIN
You dope, everybody knows he's supposed to give it to the police. Kevin reafirma aqui o que expliquei atrás, de facto ele sabe o que está correcto pela visão da sua sociedade;
BILL
Good thinking, Kevin. Bill elogia o bom "pensar" de Kevin, mas , de facto, Kevin não pensou, limitou a repetir algo que lhe foi incutido desde pequeno, ele não "pensou" para dar essa resposta, existe aqui uma falta de livre-arbítrio no sentido que Kevin já não consegue chegar ao seu único ponto de vista (natural) sobre o que está certo ou errado mas apenas seguir as condutas que lhe foram colocadas na cabeça(artificial);
KIM
Well, think about it, you guys, I mean, that's the nicer thing to do. That's what I would do. Kim nutre sentimentos por Eduardo, logo esta afirmação já está parcialmente influenciada por esses mesmos sentimentos, porém ela diz que de facto, a escolha de Eduardo, é a melhor escolha a fazer porque é a mais "gentil", porém mais do que dizer isso por pensar isso, ela afirma-o por nutrir sentimentos por Eduardo(natural), pois a sua mente também já está igualmente "tocada" pela sociedade, ( Kim coloca o "natural" por cima do "artificial"reparem que ela não faz nenhuma alusão à opção dos pobres(artificial) pois essa opção é lhe trivial ( se ela estivesse mesmo a defender o "gentil" como valor acima do "correcto" poderia reaforçar a sua posição com o exemplo da ajuda aos pobres), este é o valor que ela tira de cada uma das hipóteses de Bill:
a) Errado
b) Eduardo
c)Errado
d)Correcto
E nessa lógica, penso que a sua ordem de escolha moral seria: b) d) c) a)
BILL
We're trying to make things easier for him, so let's cut the comedy for a little while. É visível o tom de ordem nas palavras de Bill, quando o assunto é a justiça e os valores morais do bem e do mal, a ideia de um conceito tão humano como a "gentileza" é vista como comédia e fora do espectro de escolha e de sentido, para Bill, Kim sabe muito bem o que é correcto e que o correcto não tem nada a ver com "gentileza" ou outros sentimentos humanos ( Bill coloca o "artificial" por cima do "natural), além que de modo a tornar tudo mais fácil para Eduardo, Bill compreende que é mais fácil dar-lhe o pacote básico da moral da sociedade que demonstrar o alcance da escolha ( pois pode não ser compatível com a sociedade);
KIM
I am being serious. It's a nicer thing to do.
BILL
We're not talking nice. We're talking right and wrong."

Pois bem, já me alonguei demais e acabei por não poder falar de outras coisas que queria dizer, se calhar deixo para outro post e fica este apenas como exposição deste dilema.
Bill conclui com " We're not talking nice. We're talking right and wrong." o certo e o errado são então construções da sociedade em que o sujeito está inserido, mas a gentileza, a avareza, a cretinice e a inocência são sentimentos do âmago do sujeito, que mudam de definição quando em conflito com a sociedade.
O filme de Tim Burton pode levar a uma análise enorme e isso é algo que não posso fazer neste blog, tendo em conta a extensão que tal análise teria, mas concentrando-me nesta cena do filme vou levar a cabo uma pequena reflexão. Peço-vos paciência.
O ser humano tem dois "espíritos" ( não no sentido religioso, mas como conceito para me ajudar a explicar a minha ideia), um "natural" outro "artificial", o "artificial" não existe ab initio e é o espírito que pode ser modelado pela sociedade onde o sujeito decide viver, ou modelado por valores multi-societais, no sentido de ser uma criação do proprio sujeito do seu sistema de valores ( o que pode levá-lo a ir contra toda e qualquer sociedade existente na Terra); o espírito "natural" é um espírito que existe ab initio no sujeito, com ele vêm sentimentos como a paixão, o ódio, compaixão, raiva, amizade, inimizade, ingenuidade, avareza. ( Podem questionar-me em relação à avareza, pois diriam-me que o sujeito sem conhecer o dinheiro não poderia justificar tal sentimento...errado, de facto eu posso decidir ter mais maçãs do que posso comer, não no valor da glutonice, mas apenas porque as quero possuir), tais sentimentos não são colocados no sujeito pela sociedade, pois são "naturais", o que é colocado no sujeito "artificialmente" são ideias como a justiça, dinheiro, riqueza,propriedade,etc...
Definindo estes dois espíritos no sujeito, entendo que estejam então os dois em constante conflito e que os sujeitos que chegam a um consenso estre os dois espíritos, serão os sujeitos equilibrados ( não afirmo se são esses mais superiores como humanos ou mais inferiores, simplesmente encontram-se em equilíbrio com os seus espíritos).
Estes dois espíritos existem ( em constante conflito ( por exemplo Kim em vez de dizer o que acha correcto, num sentido "artificial", sobrepõe o sentimento de amor, que lhe é "natural", o amor entra em conflito com o seu sentido de justo) e consenso) como ferramentas para o livre-arbítrio de cada sujeito, e era exactamente aí que queria chegar.
O livre-arbítrio e a moralidade dos seres humanos não provém, de todo, mas só parcialmente, ab initio, na verdade é necessário tanto o que é "natural" ao homem e o que lhe é "artificial" para chegar ao seu livre arbítrio equilibrado. É necessário uma base "natural" e uma construção "artificial".
Esta é a conclusão a que cheguei, mas deixo a pergunta " Até que ponto podemos deixar que os valores construídos na sociedade em que nascemos interfiram e suplantem os sentimentos naturais ao homem e que deviam conduzir a sua vida?"; Deveremos escolher reger a nossa vida pelo o que nos é "natural" ou pelo o que nos é "artificial?"; Todas estas perguntas são impossíveis de responder universalmente, pois elas predispõem um juízo de valor, que vai ser influenciado por vocês, no sentido "artificial" de pessoas fortemente ligadas à sociedade, ou no sentido "natural" como pessoas fortemente desligadas da sociedade. E essa decisão de valor deve ser vossa de livre-vontade,de vossa escolha e juízo, como expressão de humanidade e de sociedade.

1.07.2009

Gabinete

“Piquenique! Piquenique” gritam as crianças pelo parque. Estão sozinhas a deambular pelo parque, a cantar e a sorrir, sem suspirar. “Piquenique! Piquenique!”. Vejo esta situação enquanto passo ao lado, dirigindo-me ao Gabinete. As criança correm de um lado para o outro, brincando às escondidas e à apanhada, penso que agora é a vez do João...ou se calhar não.
Fui chamado ao Gabinete para defender uma afirmação minha, que fora contestada na rua, há 3 dias atrás. Segundo o Gabinete eu não tinha quaisquer fundamentos para proferir tal afirmação, no meu ponto de vista eu tenho. Logo, existe um confronto de ideias e estas coisas costumam ser logo resolvidas, após propriamente registadas e documentadas pelo Departamento de Burocracia e dos Tecnocratas. Mas mais que isso, eu pretendo fazer-me ouvir e exercer os meus direitos.
Espero na fila, visto o meu fato preto e coloco o meu chapéu-de-coco, vestes obrigatórias a qualquer pessoa que deseje entrar no Gabinete. Olho para cima e o céu olha para mim, trocamos um olhar e ele segue a sua vida, eu coloco os fones nos ouvidos e começo a ouvir o disco que me deram. Necessito de o ouvir antes de passar para a fila.

“Saudações Senhor Homem, enche-nos de alegria ao proporcionar-nos o prazer da sua visita. Breve visita. Por favor tenha a atenção para não mexer em nenhum dos Regenerados, pois, como o seu nome indica, estão em processo de regeneração e qualquer elemento pertubador pode influenciar negativamente o seu crescimento como cidadão Regenerado. Tenha igualmente especial atenção para não escutar as palavras radicais de alguns dos possíveis rebeldes que proferem discursos anti-sociedade e que vão contra o bem-estar e paz dos outros cidadãos. Caso encontre algum, faça o favor de o indicar rapidamente a um dos sentinelas policiais que esteja consigo, pode fazer isso facilmente clicando no botão no seu pulso direito.Bom Dia! “Esta mensagem foi aprovada pelo Sistema de Regulação do Povo

No fim da mensagem já me encontro perto do Gabinete, vejo um dos tais “agitadores”, discursa:

“Abre os olhos meu! Abre os olhos! Tu sabes que és só mais uma vaca a caminho do matadouro meu! Tu és um escravo! Um escravo ouviste? O que pensas que são todas estas instituições em prol da tua “segurança”? Eles não querem saber de ti nem de ninguém... eles...eles controlam-te meu! Abre os olhos!”Decido ignorá-lo, sinto empatia pelo sujeito mas o homem atrás de mim não, rapidamente clica no botão e dois sentinelas policiais levam o “agitador”. Não aguento a decisão deste meu colega cidadão e pergunto-lhe:

-Era necessário?
-Está a falar comigo? –pergunta ele.
-Estou. Era necessário?
-Se calhar. Era seu amigo?
-Não. Não o conhecia, mas sei que ele não estava a fazer mal nenhum.
-Pertubava a ordem pública rapaz. Isso é mal nenhum? Você não sabe que estes sujeitos não são humanos?
-Como assim? Não são humanos...
-Sim, meu amigo. Não se iluda com os seus discursos “humanos”. Aquilo não é “humano”. Aquilo é a própria voz do Diabo, incitando-nos a lutarmos entre nós em vez de garantir a segurança.
-Perco-me... o que é humano então?
-Tranquilidade.
-Aborrecimento? Solidão. Vergonha.
- Regras! Conduta! Status quo! Tudo é humano nisso. O resto é mau. Aprenda comigo, jovem. Não duro sempre.
- Você é humano.
-Claro!
-E eu?
-Decerto.
-Porquê? Como?
-Ele criou-o. Você assinou o contrato?
-Eu não assinei...
-Não faz mal nenhum, por acaso tenho aqui um exemplar, quer assinar?
- Eu não saberia por onde começar...
-Comece pelo início e comece-o “leve e fresco, como o novo refrigerante Sumus!”. Siga-me até aquela secretária.
- Ela não estava ali antes....
-Não precisávamos dela antes, porque estaria ali? Mas agora sim! Venha! Venha!
- Pode ser. Mas continuo a dizer que não devia ter chamado as sentinelas policiais.
-Não deveria...poderia...quiçá...talvez...o que foi, foi! O que não foi, nunca existiu! E mesmo assim há coisas que foram e não o são, ou que nunca foram...mesmo sendo. Mas a hora da filsofia é só daqui a umas horas, hoje é sobre Hobbes e as razões porque precisamos de Paz!
-Sobre Hobbes... penso que me perdi na sua exposição.
-Tem tempo até ao Gabinete não tem?
-Não posso dizer com certeza...
-Tem sim! Com este contrato você vai ser humano toda a vida!
-Mas já não sou?...
-Você é neste momento, o que nós gostamos de chamar de uma carapaça vazia sem-alma. É somente após a assinatura deste contrato que você recebe a sua alma, num prazo de 7-12 dias. Você compromete-se a pagar o empréstimo desta nossa alma a si até ao fim da sua vida com uma taxa de juro fixa. Ok?
-Penso que sim.
-Ganha em troca uma alma, uma personalidade e inclusive um sentido na vida!
-Posso ver qual é o meu?
-Quer saber qual é o seu sentido da vida?
-Foi isso que perguntei.
-Bem, para isso tem que remeter o formulário azul celeste para o nosso Departamento de Coisas da Alma.
-Quando?
-Quando?...
-Quando é que sei o meu sentido da vida?
-No momento em que tivermos a certeza que o cumpre.
-Você não está a fazer sentido! Isto é confuso... se tenho direito a um sentido de vida...e só o recebo quando vocês sentirem que eu vou cumpri-lo... vocês já sabem qual é o meu sentido e eu não tenho opção?
-Assine aqui em duplicado.
-Sim senhor. - meto o contrato na minha pasta e ando devagarinho para o Gabinete, onde encontro uma sala vazia, apenas com uma mesa. E é lá que fico à espera.

E enquanto fico à espera, vejo um sinal a dizer “ Sente-se”...pondero em tudo, no que me aconteceu até cá chegar e na sala vazia...sem portas nem janelas e apenas uma mesa.Aproximo-me da mesa, reparo no seu toque de madeira, no objecto que é e no que representa. Esqueço essa parte e sento-me nela e fico à espera que me oiçam, mas de facto..e já deveria ter percebido isso, é que ninguém me vem ouvir, ninguém vem falar comigo e explicar-me nada. O que afirmei na rua não tem qualquer interesse. Não há ninguém por detrás da mesa e a verdade é essa. Só uns vendedores no corredor.

1.05.2009

APENDICITE

Desafio os não preguiçosos a descobrir a definição de apêndice. Ah, e já que estão numa de levantar o rabo procurem também a definição de design. "Espera lá! Apêndice? Design?"

Como eu também sou preguiçoso, e o dicionário é de todos os clássicos o que mais desprezo, gosto de inventar as minhas próprias definições, significados e aplicações das palavras. Assim posso dizer que a política é um apêndice, por exemplo, ou que o socialismo de Marx tem um design interesante. E quem me pode corrigir? Ou melhor, quem se dá ao trabalho? Adiante.

Diz-se que a invenção surge aquando da necessidade. Não necessariamente (trocadilho de merda). Na sociedade presente há muita coisa que usamos não por necessidade, mas por culto ao apêndice. Os nossos carros, os nossos telemóveis, os nossos portáteis, as nossas mochilas, as nossas roupas, as nossas casas. Tudo aquilo que antes surgia para desempenhar uma função específica e importante, fundamental e acima de tudo de maneira funcional através da forma funcional (são coisas diferentes), serve agora como símbolo do nosso indivíduo, da nossa diferençiação em relação aos outros, de elemento que nos distingue e que reflecte "o nosso estilo pessoal", quando no fundo o que fazemos é copiar o estilo de algum ou alguma modelo que vemos nos anúncios de revistas e televisão. Desejamos a mesma roupa, os mesmos telemóveis, os mesmos carros, queremos todos o mesmo, na desesperada e ilusão de que seja esse item que só nós teremos e mais ninguém poderá ter que nos irá distinguir dos outros, elevar-nos à condição de único e inagualável. Assim, para mim, nada distingue o primeiro classificado da prova dos 100 metros do último classificado, que chegou 4 segundos atrás. Ambos correram pelo mesmo. Vejamos se me contradigo mais à frente.

Quase tudo o que possuímos, e absolutamente tudo o que desejamos são apêndices. Extensões de nós próprios e das nossas pretensas identidades, sejam elas quais forem. Se uma invenção, como o automóvel ou o telemóvel fossem apenas isso, um veículo eficaz de transporte, um aparelho de comunicação sem fios, essas invenções não teriam sobrevivido muito tempo. Depois do essencial estar minimamente satisfeito, como a necessidade de deslocação rápida e da comunicação remota, os responsáveis pela comercialização de tais aparelhos necessitam de inverter a função dessas invenções, para que a demanda destas aumente e continua a existir. Um carro já não é um veículo de transporte, mas um símbolo de virilidade, posição social e estilo. Os nossos telemóveis passaram a ser câmaras de fotografar e filmar, consolas de jogos, browsers de internet, pocket PC's, um aglomerado de funções que não funcionam. Já não queremos nada que traga e faça apenas aquilo que precisamos que faça a um preço proporcional. Deslocarmo-nos cómoda e rapidamente a baixo consumo enérgico, receber e efectuar chamadas, receber e mandar mensagens de texto, não é isso de todo o que procuramos num carro ou num telemóvel. Mas era para isso que eles serviam, foi para essa função que foram criados, desenhados.

O que me leva ao design (aproveito a proximidade das palavras, e das palavras apenas). Design não é desenho. Resposta errada, abre-se o alçapão para o poço da ignorância, adeus sua besta, que caias de fuça! Design não é estética. Design é ética. É conceber a melhor solução funcional, desde o processo de produção ao da distribuição, uso e manutenção. Fazer algo com benefício de toda a humanidade em mente.  Nada mais. E isso aplica-se a tudo. Os carros de hoje não são funcionais. Não são práticos, não são económicos, não são duráveis, não são eficazes, não são ecológicos, não são recicláveis, não são automóveis. O mesmo para os telemóveis. Mas isto são só exemplos. A política tem um mau design, não funciona, não desempenha a função a que se propõe, não resolve problemas, e não é ética (ética não é aquilo que se aprende na universidade). Resumindo, aquilo que tu tanto admiras pelo seu "fantástico" design é totalmente desprovido do mesmo e, por consequência, tudo menos fantástico. O que é fantástico é a capacidade do ser humano de chapinhar no esterco e de regozijar enquanto o faz.

No próximo post explicarei porque desisti de ser arquitecto.